Ontem eu estava assistindo a última temporada da série "Desperate Housewives" e uma cena especial chamou minha atenção. Gabrielle Solis (interpretada por Eva Longoria Parker) tem duas filhas gordinhas e desajeitadas. A mais velha, Juanita, olha-se no espelho e compara sua imagem com a de sua mãe na capa de uma revista de moda. Na tentativa de ficar tão bonita quanto ela, a menina de mais ou menos uns dez anos, enche o rosto de maquiagem e vai para a escola, sem que Gabrielle veja o estrago. Na cena seguinte, a mãe é chamada pelo diretor e as duas voltam para casa brigando. Juanita justifica-se dizendo que as coleguinhas não acreditavam que ela, feinha e gorda, poderia ser filha legítima de Gabrielle e diz: "Mãe eu só queria ser como voce!"
Minha mãe sempre foi uma mulher lindíssima. Vaidosa e exuberante, vestia-se de acordo com a "última moda". Quando entrava em algum restaurante ou loja, sempre chamava a atenção por sua beleza e elegância. Lembro-me de observá-la enquanto se arrumava para sair com meu pai. Na época, era comum as mulheres usarem cílios postiços e ela os colocava com extrema arte. Eu adorava seus vestidos e sua coleção de sapatos. Gostava de mexer em sua caixa de maquiagem escondida, tentando imitá-la. Certa vez, subi na bancada do banheiro para fuçar sua maquiagem e, gordinha e desajeitada como Juanita, acabei perdendo o equilíbrio. Por instinto segurei na porta de espelho do armário e fui bancada abaixo com espelho e tudo. Fiquei com um corte enorme na perna, mas minha maior preocupação era com a bronca que ia levar por estar mexendo em seu santuário e ainda ter quebrado aquele espelho.
Além da beleza, minha mãe também fugia do padrão em termos de comportamento. Conviveu com um grupo de artistas plásticos quando solteira e aprendeu escultura, em uma época na qual os artistas eram vistos como marginais e "moça de família" não se envolvia com eles. Não gostava de ser chamada de "tia" por meus amigos (esse era o tratamento padrão na época), nunca admitiu que eu a chamasse de senhora e jamais abdicou de sua parceria com meu pai para ser apenas "a mãe dos filhos dele".
Comandou a obra de nossa casa, convivendo diretamente com os operários e, mesmo depois da casa pronta, era quem resolvia os problemas que surgiam. Era comum meu pai ligar para casa do trabalho e ser informado que ela estava no telhado resolvendo um problema qualquer com o bombeiro. A manutenção de nossa casa sempre esteve em suas mãos, das questões mais funcionais como vazamentos, pintura, consertos, até a organização de jantares elegantes e servidos "à francesa".
Econômica nunca foi. Administração financeira não era o seu forte, o que às vezes enlouquecia meu pai. No entanto, gastar no seu dicionário era uma arte e ela tinha talento para isso.
Em dezembro, minha mãe vai fazer 84 anos e continua com uma jovialidade invejável. Não pensem que eu estou falando daquela velhinha simpática, dócil e risonha que assiste novela e faz tricô para os netos. Não, definitivamente ela não faz esse tipo!
Ela continua a mesma, ou quase...
Sua memória, que nunca foi grande coisa, piorou bastante. Mas o dia do cabeleireiro e do pagamento da pensão nunca são esquecidos.
Depois que meu pai faleceu em 2005, aprendeu a duras penas o valor do dinheiro. Hoje, separa seus pagamentos em envelopes e cumpre com seus compromissos. Tivemos muitas discussões quanto a sua forma de lidar com o dinheiro e, nesse período de adaptação, confesso que passei por muitos sustos, mas vamos levando...
Usa salto alto o tempo todo (para total desespero do seu ortopedista) simplesmente porque os considera "mais confortáveis". Lê o jornal "de cabo a rabo" e devora livros, mesmo sendo quase cega da vista direita e enxergando pouquíssimo com a esquerda. É fã do Roberto Ávila e todo o domingo assiste ao seu programa, para depois comentá-lo comigo.
Com a audição bastante prejudicada, não raro advinha o que é dito, só para não dar o braço a torcer. O que algumas vezes, admito, se torna até engraçado.
Cuida da sua casa praticamente sozinha, arruma armários, determina o cardápio, cozinha quando necessário, faz compras e, ainda hoje, é comum encontrá-la no jardim de cócoras retirando folhas secas ou transplantando mudinhas.
Anos atrás, eu costumava achar que essa mania de dizer que com a idade as pessoas ficam mais sábias era um mito oriental. Eu observava os idosos a minha volta sempre reclamando, criando caso, cultivando dores e espalhando impaciência. Mas com minha mãe o que para mim era mito se tornou realidade. Seu gênio difícil foi amenizando com o passar dos anos. Acredito que as dificuldades que vivemos depois da perda de meu pai, fizeram-na aprender a distinguir os problemas reais dos aborrecimentos normais do dia a dia. Hoje ela é uma pessoa muito mais suave. Nunca a ouvi reclamar de uma dor. Quando tenta fazer alguma coisa e não consegue, apenas diz: "acho que estou ficando velha". E continua mesmo assim.
Eu espero mãe, que você não fique velha nunca e que, quando eu crescer, possa ser como você!
Bom dia...fiquei emocionada com esse texto...parabéns...
ResponderExcluirSinto falta da minha mãe, pois ela faleceu quando tinha 58 anos, muito jovem...aprendi muito com ela mas faltou muita coisa ainda.
Um bom dia para você..
bjs
Oi Dayse,
ResponderExcluirObrigada pelo carinho de seu comentário e pela visita.
As mães sempre tocam o nosso coração. As vezes levamos uma vida inteira para conpreendê-las e perceber o quanto as amamos. Outras vezes, como no seu caso, elas são flores de perfume tão intenso que, mesmo florindo por pouco tempo, é impossível esquecê-las...
Seu blog está lindo e voce é uma ótima fotógrafa. Parabéns!
Um beijo no seu coração e boa semana para voce.
:)